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Meio Ambiente é tema pouco abordado em planos de governo dos candidatos de Mato Grosso

No que depender de quem ocupa a cadeira de governador no Palácio Paiaguás, em Mato Grosso, pelos próximos quatro anos, a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal estarão tão ou mais exposto a sofrer agressões ambientais, como as queimadas que atingiram quase 30% do Pantanal em 2020. É essa conclusão a que se pode chegar após fazermos a leitura do plano de governo dos dois principais candidatos ao cargo de governador: o atual ocupante da cadeira, Mauro Mendes, do União Brasil (UB), e Márcia Pinheiro, do Partido Verde (PV).

Os candidatos são os líderes da última pesquisa eleitora no estado. Segundo pesquisa do Instituto Ipec, divulgada nesta quinta-feira (15), os índices de intenção de voto para o cargo de governador de Mato Grosso mostram o candidato do União Brasil, Mauro Mendes, liderando a disputa com 60% nas intenções de voto. Márcia Pinheiro (PV) tem 15% na mesma pesquisa. A pesquisa ouviu 800 pessoas entre os dias 12 e 14 de setembro em 33 municípios. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, considerando o nível de confiança de 95%. A pesquisa foi registrada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número MT-07150/2022.

O Instituto SOS Pantanal analisou a fundo as propostas dos 2 principais candidatos no que se refere ao meio ambiente, conservação e desenvolvimento sustentável. Segue abaixo a análise de cada candidato:

 

Mauro Mendes (União Brasil)

 

Apesar de dedicar certo espaço às políticas ambientais para um eventual novo mandato, o governador Mauro Mendes não apresenta metas específicas para cada um dos biomas que formam o estado (Pantanal, Amazônia e Cerrado).

A pauta ambiental dentro do plano de governo de Mauro Mendes aparece em dez tópicos de abordagem. A proposta do candidato é estimular e incentivar o desenvolvimento econômico e tecnológico do Estado, a partir de um modelo sustentável. 

 

Diretrizes ambientais propostas:

  1. Fortalecer a Gestão Ambiental Integrada e Eficiente em Mato Grosso. Assim como a adversária do PV, ele propõe a descentralização dos licenciamentos ambientais, dividindo a responsabilidade com as prefeituras.
  1. Continuar aprimorando o modelo de gestão por resultados da SEMA, com foco na prestação de serviços de qualidade aos cidadãos. Um tema que pode sinalizar a maior transparência de acesso público às informações.
  1. Dar continuidade ao processo de modernização dos sistemas que executam as políticas públicas ambientais, com foco na redução de custos e de tempo de análise. Aqui a abordagem envolve a continuidade de avanços na construção de um sistema, banco de dados e softwares para o monitoramento ambiental. 
  1. Fomentar a gestão ambiental municipal com a descentralização do licenciamento ambiental e fiscalização de atividades de impacto local e delegação de atividades aos municípios já estruturados;
  1. Fortalecer a política de regularização ambiental e fundiária das unidades de conservação do Estado. Essa ação pode ter impacto direto no Pantanal, pois são as áreas protegidas do bioma as que mais sofrem com os incêndios florestais, como o Parque Estadual do Encontro das Águas, o Parque do Guirá e a Estrada Parque Transpantaneira.
  1. Promover utilização sustentável das Unidades de conservação do Estado, através do incentivo ao ecoturismo; outro tema importante para a proteção do bioma Pantanal, que tem no turismo de natureza um grande aliado para conter as pressões sobre suas áreas naturais. 
  1. Apoiar iniciativas de uso sustentável da floresta, como mecanismo de redução dos índices de desmatamento;
  1. Fomentar um modelo de produção de baixas emissões de carbono, a fim de contribuir para que Mato Grosso se torne Carbono neutro até 2035. A meta mais ambiciosa apresentada e que deve impactar todos os biomas do estado. 
  1. Dar continuidade ao processo de melhorias da regularização ambiental dos imóveis rurais pelo Sistema Mato-Grossense de Cadastro Ambiental Rural-SIMCAR e a recuperação das áreas degradadas pelo Programa de Regularização Ambiental. Essa é uma das exigências para implementação do Código Florestal de 2012 e que teve pouco avanço por parte dos estados. Também deve impactar todos os biomas, com foco na recuperação das áreas atingidas pelo fogo no Pantanal em 2020. O maior passivo ambiental do estado são as áreas de Cerrado, que dentro da Bacia do Alto Paraguai já perderam mais de 54% de sua cobertura vegetal, segundo análise da SOS Pantanal e do Mapbiomas.  A região é prioritária para a conservação do bioma Pantanal, pois abriga grande parte das nascentes e formadores dos rios que garantem a vida na planície alagável, região na qual o índice de chuvas se assemelha a de um semiárido.
  1. Aprimorar Políticas Públicas Integradas, que priorizem projetos eficientes de gestão em suas variadas áreas, promovendo o uso racional dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, gestão dos recursos hídricos e resíduos sólidos.

 

Pontos de atenção

Outra questão que impacta o meio ambiente em sua transversalidade é a logística do estado. O candidato afirma que irá promover ações junto ao Governo Federal visando à construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Água Boa e o Município de Campinorte (GO) para ligação do estado de Mato Grosso à Ferrovia Norte-Sul. 

Outras obras de infraestrutura prometidas por Mauro Mendes e que tendem a gerar polêmicas por conta dos impactos ambientais são: a pavimentação da rodovia Juína-Colniza (Rodovias MT-170/208/418 – antiga BR-174) e a construção do Complexo do Rio Juruena (pavimentação de rodovia e construção de ponte de concreto). Caso não sejam realizados com um plano de mitigação de impactos, os dois projetos podem promover pressão pelo aumento do desmatamento no bioma Amazônia, sendo a região um dos últimos remanescentes de floresta de Mato Grosso. 

Três outras obras de infraestrutura prometidas pelo candidato à reeleição também podem impactar diretamente o Pantanal. A primeira é a construção de um Rodoanel de Cuiabá-Várzea Grande (interligando BR- 163/BR-364); o que afeta nascentes e formadores de rios do Pantanal. 

A substituição de todas as pontes de madeira da Transpantaneira (MT-060) é outro ponto de atenção, pois pode aumentar a velocidade de tráfego na estrada Parque, aumentando os casos de atropelamento de animais. A região é um dos grandes refúgios nacionais de fauna, sendo um dos maiores pontos de observação de onças-pintadas livres na natureza do país.

A terceira obra que também oferece risco às nascentes do Pantanal, caso executada sem salvaguardas ambientais, é a duplicação da MT-251/Cuiabá-Chapada dos Guimarães. Apesar de ser empreendida fora do Perímetro do Parque Nacional, a obra afeta a Área de Proteção Ambiental de Chapada dos Guimarães e muitos rios e nascentes formadoras do bioma Pantanal.

Em relação a gestão de resíduos sólidos, os compromissos anunciados por Mauro Mendes são promover parcerias com 141 municípios para elaboração de Planos Diretores de Mobilidade; e Planos de Saneamento dos Municípios; com estudos e modelagens para a concessão da gestão de resíduos sólidos. O que pode indicar a modificação da gestão das águas da esfera pública para a privada, tal qual já ocorreu na capital Cuiabá. 

A gestão de resíduos sólidos envolve indiretamente outro projeto financiado por uma instituição multilateral, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que aprovou recentemente em 2022, o projeto ‘Cooperação transfronteiriça para a conservação, desenvolvimento sustentável e gestão integrada do Pantanal – Bacia do Alto Paraguai”. 

O BID pretende investir mais de U$ 138 milhões de dólares no Pantanal do Brasil, Paraguai e Bolívia para promover a segurança hídrica na região. Para isso, o banco exige que sejam fortalecidos fatores como a governança hídrica transfronteiriça, desenvolvimento sustentável e equilíbrio do uso múltiplo.  Várzea Grande é uma das cidades que mais polui o rio Cuiabá, importante contribuinte e formador do Pantanal. O município aparece em todos os alertas vermelhos de gestão de seus recursos hídricos do Instituto Trata Brasil.  

 

O que ficou de fora

Ao citar o PCI, o candidato ao governador também sinaliza que pretende aumentar medidas de comando e controle do desmatamento e das queimadas.  Mas, o que esperar para o Pantanal  segue na  transversalidade, pois não há uma menção direta ao bioma. Além do Pantanal, Mato Grosso conta com áreas de Cerrado e da Floresta Amazônica.

Hidrelétricas, mineração e quais serão as ações do governador para cada bioma também são as lacunas do plano para a reeleição de Mauro Mendes.  

 

Márcia Pinheiro (Partido Verde)

 

A candidata da sigla mais antiga ligada à defesa do meio ambiente no Brasil quase não apresenta propostas focadas no tema meio ambiente, nem em especial para o Pantanal. O plano foi voltado para a questão da geração de emprego, com apelo para políticas públicas, como no que se considera pelos candidatos como “aos mais carentes, aos menos favorecidos, combatendo a fome, a miséria, o desemprego e toda e qualquer exclusão social”.

Outros eixos tratados foram esporte, lazer, saúde, educação, defesa dos direitos humanos, assistência social, protagonismo dos servidores públicos, cultura, infraestrutura e segurança pública. Na abertura de seu plano de governo registrado no Tribunal Regional Eleitoral, restrito a 15 páginas, a candidata faz uma breve apresentação de suas propostas e intenções caso seja eleita governadora. O termo “meio ambiente” nem sequer é citado. 

A questão ambiental aparece na transversalidade, apenas com a proposta de uma descentralização dos processos de licenças ambientais para fomentar o fortalecimento das atividades econômicas e da efetivação da navegação na hidrovia Paraná-Paraguai, no bioma Pantanal, O estado de Mato Grosso abriga cerca de 35% da área do Pantanal no Brasil

 

Um hidrovia para a soja  

A hidrovia do rio Paraguai existe desde os séculos XVI, mas o projeto citado no plano de governo da candidata envolve correções e obras de infraestrutura no que se chama Tramo Norte, entre Cáceres (MT) e Corumbá (no Mato Grosso do Sul). Uma proposta para aumentar o fluxo de sua navegação estimada em US $422 milhões e que tem como alvo favorecer o embarque de barcaças com soja através do Pantanal.

O SOS Pantanal já se posicionou contra a hidrovia, levantando os impactos colossais ao bioma que essa obra poderia trazer. Confira clicando aqui

 

Licenciamento flexibilizado 

O estado tem a agropecuária como base de sua economia, com um rebanho bovino de mais de 30 milhões de cabeças de gado, sendo o maior produtor nacional de grãos, com destaque para as maiores lavouras de soja, milho e algodão do país. É com foco no agro que aparece uma das poucas menções do plano da candidata ao Partido Verde ao meio ambiente. Para o setor do agronegócio, ela promete desburocratizar os processos. O que fica subentendido como facilitação no licenciamento ambiental, uma das grandes demandas do setor.

 “Simplificar, desburocratizar, apoiar e estimular a expansão do agronegócio”, diz um dos tópicos do programa de propostas de Márcia Pinheiro.

Mesmo com o estado tendo três dos mais importantes biomas do país – Amazônia, Pantanal e Cerrado – e ser campeão nacional de desmatamento acumulado e queimadas segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não há propostas ou metas para coibir crimes ambientais.

 

O que ficou de fora

A gestão das três bacias hidrográficas que nascem em Mato Grosso também foi ignorada. O estado abriga nascentes da bacia Paraguai-Paraná, Araguaia-Tocantins e do rio Tapajós, um dos principais contribuintes da bacia Amazônica. 

As mudanças climáticas sequer foram mencionadas, um tema caro à economia regional. Em 2017, Mato Grosso foi um dos estados que se comprometeu na Cúpula Mundial do Clima, a COP-21 de Paris, em seguir regras de controle do desmatamento e redução de emissões.

O Programa Global REDD Early Movers (REM), (REDD para Pioneiros pela sigla em Inglês) é uma das iniciativas de remuneração de serviços ambientais na qual Mato Grosso é signatário. O REM premia nações e governos comprometidos com a redução de emissões de CO2 por meio de ações de conservação de florestas.  Os bons resultados no combate ao desmatamento e queimadas, com uma redução de mais de 90% dos desmatamentos nas florestas no período 2004 a 2014,  renderam à Mato Grosso €44 milhões de investimentos do Governo da Alemanha por meio do Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW) e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Esses recursos foram fundamentais para combater os incêndios em 2020 e 2021. 

A mineração também foi ignorada. O estado é o maior produtor de diamantes do Brasil, respondendo por 87% de todo minério extraído em 2019, e está entre os principais produtores de ouro e zinco, segundo a Agência Nacional de Mineração. A extração de ouro é um dos maiores elementos de pressão nas bacias dos rios Bento Gomes, no Pantanal, e Teles Pires, na Amazônia mato-grossense.

 O uso dos rios para a geração de energia por meio da construção de usinas hidrelétricas, os avanços no plano nacional de resíduos sólidos, a promoção de um sistema transporte urbano descarbonizado da capital também não integram o plano da candidata.

 

Pontos críticos

Grande parte da estrutura do Corpo de Bombeiros e dos órgãos estaduais de meio ambiente nas ações de comando e controle das queimadas e do desmatamento foram sustentadas com recursos do projeto REM-MT.  

O estado também tem um empréstimo no Banco Mundial de US$ 250 milhões de dólares, condicionado à execução das metas de redução do desmatamento assinadas na Cop-21, porém as emissões de gases do efeito estufa foi um tema ignorado nas propostas de Márcia Pinheiro e que sem um plano de gestão ambiental articulado pode tornar-se um grande problema  para a governabilidade do estado.

Outro ponto de conflito é que entre as condicionantes do Banco Mundial também está o apoio à implementação do cadastro ambiental rural. Mas, o plano de governo de Marcia Pinheiro não aborda nenhuma forma de avanço para o CAR em Mato Grosso, pelo contrário sugere flexibilização do licenciamento.

 

 

Márcia Pinheiro e Mauro Mendes foram procurados pela equipe da SOS Pantanal, porém não se manifestaram sobre quais seriam suas propostas para o bioma Pantanal. O espaço segue aberto.